O Livro 4 das OrdenaçõesFilipinas já regulamentava as Companhias. A legislação atual (Lei nº 6.404/1976) torna equivalentes os nomes “companhia” ou “sociedade anônima” e denomina seus integrantes de sócios ou acionistas. A existência, porém, deste tipo de sociedade, remonta, no direito luso-brasileiro, desde, pelo menos, o século XVII. Talvez tenham sido pouco faladas estas sociedades, mas provavelmente a Sociedade das Índias Ocidentais ficou famosa entre nós. Era a Companhia que explorou o Nordeste brasileiro, no tempo dos flamengos (os holandeses). Tempo dos Flamengos é um livro de José Antônio Gonsalves de Mello, que trata da invasão holandesa no Nordeste. Sobre a Companhia das Índias Ocidentais, Roberto Chacon de Albuquerque diz que esta...
“não nasceu motu proprio com a livre subscrição de seu capital social, como ocorre com as sociedades anônimas pela integralização de suas ações. Para que a Companhia surgisse em 3 de junho de 1621, foi necessário que os Estados Gerais, o Governo Central dos Países Baixos, interviesse com a expedição de uma carta-patente que lhe outorgou o privilégio durante vinte e quatro anos na exploração da navegação e do comércio com as Américas e a África Ocidental. A Companhia das índias Ocidentais deve suas origens a um ato de Estado que lhe conferiu o controle da navegação e do comércio com as Américas e a África Ocidental, com características de monopólio. A Carta-Patente da Companhia tinha quarenta e cinco artigos, com um conteúdo semelhante ao da Companhia das índias Orientais, de 1602.”
(A COMPANHIA DAS ÍNDIAS OCIDENTAIS: UMA SOCIEDADE ANÔNIMA?).”
O fato é que, já em 1603, as Ordenações Filipinas
regulavam as sociedades do tipo "companhias". Seus integrantes não eram chamados
de sócios ou acionistas, mas sim “companheiros”. Vejamos o texto das Ordenações.
Do contrato da Sociedade e Companhia.
Contrato de Companhia é o que duas pessoas, ou mais fazem entre si, ajuntando todos os seus bens, ou parte deles para para (sic) melhor negócio e maior ganho.
E algumas vezes se faz até certo tempo, outras vezes simplesmente sem limitação dele; mas ainda que se faça sem limitação de tempo, morrendo qualquer dos companheiros, logo acabará o contrato da companhia, e não passará a seus herdeiros, posto que no contrato se declare, que passe a eles; salvo se Companhia fosse de alguma renda nossa, ou da República, que algumas pessoas houvessem tomado juntamente; porque nestes casos, ainda que alguns dos companheiros na renda faleça, passará o tal arrendamento a seus herdeiros pelo tempo, que ele durar, se assim foi dito no contrato declarado, e o herdeiro é pessoa diligente e idônea para perseverar na dita Companhia.
1. Se o contrato da Companhia for feito entre algumas pessoas de todos os bens, que tiverem, logo o senhorio e posse dos tais bens se traspassará reciprocamente nos companheiros, sem ser necessária alguma apreensão corporal, ou ato algum, per que se alcance senhorio, ou posse de alguma coisa. E tudo o que qualquer dos companheiros adquirir, depois de feita a tal Companhia de todos os bens, per qualquer título que seja, se comunicará entre todos, e o domínio e posse deles se traspassará nos ditos companheiros.
2. E quando o contrato da companhia não for de todos os bens, mas de parte deles, assim como de certo trato, ou negócio, aquilo somente se comunicará entre os companheiros, que cada um deles houver por seu trabalho, ou indústria no mesmo trato, ou negócio, e não aquilo, que cada um deles houver per outro modo fora da Companhia por respeito da sua pessoa, ou per benefício particular, que de alguém recebeu, assim como uma herança, ou legado, doação, ou outra coisa semelhante.
3. E fazendo algumas pessoas contrato de Companhia em matéria ilícita e reprovada, assim como em roubar, ou outra semelhante, o tal contrato será nulo, e de nenhum efeito e vigor. E se algum companheiro de Companhia lícita houver algum ganho per via ilícita, não poderá pelos outros companheiros ser constrangido e dar-lhes parte dele. Porém, se ele a der voluntariamente, e depois for condenado per sentença a restituir o que assim ganhou per meio ilícito, serão obrigados os ditos companheiros a restituir a parte do ganho ilícito que em si têm. Porém não serão obrigados a pagar a pena, em que o companheiro fosse condenado, salvo se fossem sabedores, que o dito ganho se houvera per modo ilícito, e com tudo quiserem haver sua parte dele, porque em tal caso pagarão as ditas penas.
4. O contrato de Companhia se desfaz por morte natural de qualquer dos companheiros. E ainda que fiquem outros alguns vivos, também quanto a eles acabará o dito contrato, salvo se a princípio se acordasse entre todos, que o tal contrato durasse entre os que vivos ficassem.
5. E assim mais se desfaz a Companhia, quando algum dos companheiros a renunciar, dizendo aos outros per si, ou per seu Procurador, que não quer mais ser seu companheiro, e isso quando no contrato da Companhia se não declarou o tempo, que havia de durar.
6. Porém quando o companheiro, que renunciar à Companhia no dito caso, o fizer por manha e engano, nem por isso ficará desobrigado da Companhia. (...)
(...)
8. E posto que antes do tempo da Companhia ser acabado nenhum dos companheiros se possa afastar dela, todavia em certos casos o poderá fazer:
Assim como, se algum dos companheiros for de condição tão áspera e forte, que com ele se não possam avir.
Ou se o que se afasta da Companhia alegar que é enviado per Nós, ou pela República a algum negócio:
Ou que lhe não é cumprida alguma condição, com a qual entrou na Companhia:
Ou se lhe foi tomada, ou embargada coisa, em que a Companhia é feita.
9. Não se declarando no contrato da Companhia, quanta parte do ganho, ou perda haverá cada um dos companheiros, entender-se-á, que cada um haverá assim do ganho, como da perda, iguais partes.
Não tolhemos porém, que os companheiros logo no tempo do contrato possam repartir entre si a perda e o ganho doutra maneira; porque poderá muitas vezes a indústria e saber de algum deles ser de mor valia e proveito para a mesma Companhia, que o cabedal, que os outros meterem, e assim será justo, que este tal tenha mais no ganho e menos na perda; não poderão porém os companheiros por tal pacto e condição, que um companheiro leve o ganho todo, e na perda não tenha parte, porquanto o tal contrato, como este, é ilícito e reprovado.
10. As dívidas, que se fizerem por respeito da Companhia e sociedade, dela mesma se hão de pagar, posto que a esse tempo seja já acabada.
E da mesma maneira se há de tirar da Companhia a perda e dano, que houve nas coisas dela, ou que aconteceu a qualquer dos companheiros nas suas coisas próprias por causa da tal Companhia.
Assim como, se sendo mandado um deles a certo negócio tocante à Companhia, o roubarem os ladrões no caminho, ou lhe matarem o cavalo, em que for, ou o escravo, que levar.
11. E pelo mesmo modo toda a despesa e gasto, que se fizer em benefício da Companhia, se há de pagar dela.
Porém o que algum dos companheiros gastou fora da Companhia ainda que fosse em algum acontecimento, que tivesse origem por ocasião da Companhia, não se tirará, nem pagará dela.
Assim como, se trazendo um companheiro a seu cargo escravos da Companhia, fosse ferido por algum deles, por lhe querer tolher que não fugisse; porque em tal caso o que gastar em se curar, não o haverá pela Companhia, mas ficará por sua conta e despesa particular.